dezembro 28, 2005



Carlos Drummond de Andrade

--------------------------------------------------------------------------------


Receita de ano novo


Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)


Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.


Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

dezembro 27, 2005



"Chegará o dia em que o homem conhecerá
o íntimo dos animais, e nesse dia,
todo o crime cometido contra um animal,
será um crime contra a humanidade."

Leonardo da Vinci

dezembro 26, 2005



Navegue
Fernando Pessoa

...Procure os seus caminhos,
mas não magoe ninguém nessa procura.
Arrependa-se, volte atrás, peça perdão!
Não se acostume com o que não o faz feliz,
revolte-se quando julgar necessário.
Alague seu coração de esperanças,
mas não deixe que ele se afogue nelas.
Se achar que precisa voltar, volte!
Se perceber que precisa seguir, siga!
Se estiver tudo certo, continue.
Se sentir saudades, mate-a.
Se perder um amor, não se perca!
Se achá-lo, segure-o!
Circunda-te de rosas,
ama, bebe e cala.
O mais é nada.

dezembro 23, 2005



Mamãe Noel
Martha Medeiros

Sabe por que Papai Noel não existe? Porque é homem. Dá para acreditar que um homem vai se preocupar em escolher o presente de cada pessoa da família, ele que nem compra as próprias meias? Que vai carregar nas costas um saco pesadíssimo, ele que reclama até para colocar o lixo no corredor? Que toparia usar vermelho dos pés à cabeça, ele que só abandonou o marrom depois que conheceu o azul-marinho? Que andaria num trenó puxado por renas, sem ar-condicionado, direção hidráulica e air-bag? Que pagaria o mico de descer por uma chaminé para receber em troca o sorriso das criancinhas? Ele não faria isso nem pelo sorriso da Luana Piovani! Mamãe Noel, sim, existe.

Quem é a melhor amiga do Molocoton, quem sabe a diferença entre a Mulan e a Esmeralda, quem conhece o nome de todas as Chiquititas, quem merecia ser sócia-majoritária da Superfestas? Não é o bom velhinho.

Quem coloca guirlandas nas portas, velas perfumadas nos castiçais, arranjos e flores vermelhas pela casa? Quem monta a árvore de Natal, harmonizando bolas, anjos, fitas e luzinhas, e deixando tudo combinando com o sofá e os tapetes? E quem desmonta essa parafernália toda no dia 6 de janeiro?

Papai Noel ainda está de ressaca no Dia de Reis. Quem enche a geladeira de cerveja, coca-cola e champanhe? Quem providencia o peru, o arroz à grega, o sarrabulho, as castanhas, o musse de atum, as lentilhas, os guardanapinhos decorados, os cálices lavadinhos, a toalha bem passada e ainda lembra de deixar algum disco meloso à mão?

Quem lembra de dar uma lembrancinha para o zelador, o porteiro, o carteiro, o entregador de jornal, o cabeleireiro, a diarista? Quem compra o presente do amigo-secreto do escritório do Papai Noel? Deveria ser o próprio, tão magnânimo, mas ele não tem tempo para essas coisas. Anda muito requisitado como garoto-propaganda.

Enquanto Papai Noel distribui beijos e pirulitos, bem acomodado em seu trono no shopping, quem entra em todas as lojas, pesquisa todos os preços, carrega sacolas, confere listas, lembra da sogra, do sogro, dos cunhados, dos irmãos, entra no cheque especial, deixa o carro no sol e chega em casa sofrendo porque comprou os mesmos presentes do ano passado?

Por trás do protagonista desse megaevento chamado Natal existe alguém em quem todos deveriam acreditar mais.

dezembro 22, 2005



No Recreio (Cássia Eller)
Nando Reis

Quer saber quando te olhei na piscina
Se apoiando com as mãos na borda
Fervendo a água que não era tão fria
E o azulejo se partiu porque a porta
Do nosso amor estava se abrindo
E os pés que irão por esse caminho
Vão terminar no altar, eu só queria me casar
Com alguém igual a você
E alguém igual não há de ter
Ouve os sinos, amor
Só é possível te amar
Escorre aos litros, o amor...

dezembro 21, 2005



Cor-respondência
Elisa Lucinda

Remeta-me os dedos
em vez de cartas de amor
que nunca escreves
que nunca recebo.
Passeiam em mim estas tardes
que parecem repetir
o amor bem feito
que voce tinha mania de fazer comigo.
Não sei amigo
se era o seu jeito
ou de propósito
mas era bom, sempre bom
e assanhava as tardes.
Refaça o verso
que mantinha sempre tesa
a minha rima
firme
confirme
o ardor dessas jorradas
de versos que nos bolinaram os dois
a dois.
Pense em mim
e me visite no correio
de pombos onde a gente se confunde
Repito:
Se meta na minha vida
outra vez meta
Remeta.

dezembro 20, 2005



Lua Adversa
Cecília Meireles

Tenhos fases, como a Lua.
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.

Fases que vão e que vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.

E roda a melancolia
seu interminável fuso!

Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a Lua...)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu...

dezembro 19, 2005



Sereia em teu mar
Leslie Holanda

Não comprima os sentimentos
Em teu coração há espaço
Além saudades para amar
...Sinais, referências
Que o amor...em você é habitat
Em teu mar...os dias são coloridos
Iluminados, banhados de alegria
Doces intenções...imagens do amar
A beira-mar...viveremos
Os desenhos rabiscados em sonhos
Viveremos o amor que aquece...
Nos encantam e incendeiam
Serei tua rainha...sereia em teu mar.

dezembro 16, 2005



"Eu queria trazer-te uns versos muito
lindos...
Trago-te estas mãos vazias...
Que vão tomando a forma do teu seio."

(Mário Quintana)


Jura Secreta
Simone

Só uma coisa me entristece
O beijo de amor que não roubei
A jura secreta que não fiz
A briga de amor que não causei
Nada do que posso me alucina
Tanto quanto o que não fiz
Nada do que eu quero me suprime
De que por não saber ainda não quis
Só uma palavra me devora
Aquela que meu coração não diz
Só o que me cega, o que me faz infeliz
É o brilho do olhar que não sofri.

dezembro 15, 2005


Ouvir Estrelas (Olavo Bilac)

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muitas vezes desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas."

dezembro 14, 2005



Do teu cheiro
Ademir Antonio Bacca

O gosto da tua pele
sal impregnado em meus lábios
que me mata de sede
à beira da fonte dos teus prazeres.

O teu gosto na minha boca
mel que sacia meus desejos
na hora derradeira
do medo de te perder
em meio aos lençóis.

O teu cheiro impregnado
no meu corpo
perfume raro que nem a chuva
leva de mim...

dezembro 13, 2005



Falo de ti às pedras da estrada
Florbela Espanca

Falo de ti às pedras das estradas,
E ao sol que é louro como o teu olhar,
Falo ao rio, que desdobra a faiscar,
Vestidos de princesas e de fadas;

Falo às gaivotas de asas desdobradas,
Lembrando lenços brancos a acenar,
E aos mastros que apunhalam o luar
Na solidão das noites consteladas;

Digo os anseios, os sonhos, os desejos
Donde a tua alma, tonta de vitória,
Levanta ao céu a torre dos meus beijos!

E os meus gritos de amor, cruzando o espaço,
Sobre os brocados fúlgidos da glória,
São astros que me tombam do regaço!

dezembro 12, 2005


Estranha
Isabel Machado

Sou estranha
dentro do meu próprio espaço !
Como posso não estranhar-me
no teu?
Sou vaga nuvem
em noite de tempestade !
A ansiedade me crucifica
mas a paixão não se liberta...
Tenho as asas abertas
para o mundo
terrível mundo que eu enfrento
pelo buraco da fechadura !
Estranha é a coragem
aprisionada
Estranho é quando estou
apaixonada
Estranho-me tudo
Estranho-me nada...

dezembro 09, 2005


Me Revelar
Zélia Duncan

Tudo aqui quer me revelar
Minha letra, minha roupa, meu paladar
O que eu não digo, o que eu afirmo
Onde eu gosto de ficar
Quando amanheço, quando me esqueço
Quando morro de medo do mar
Tudo aqui
Quer revelar
Unhas roídas
Ausências, visitas
Cores na sala de estar
O que eu procuro
O que eu rejeito
O que eu nunca vou recusar
Tudo em mim quer me revelar
Meu grito, meu beijo
Meu jeito de desejar
O que me preocupa, o que me ajuda
O que eu escolho pra amar
Quando amanheço,
Quando me esqueço.