abril 28, 2006



Os Silêncios
Maria Teresa Horta

Não entendo os silêncios
que tu fazes
nem aquilo que espreitas
só comigo
Se escondes a imagem
e a palavra
e adivinhas aquilo
que não digo
Se te calas
eu oiço e eu invento
Se tu foges
eu sei não te persigo
Estendo-te as mãos
dou-te a minha alma
e continuo a querer
ficar contigo.

abril 27, 2006



Coração é terra que ninguém vê
Cora Coralina

Quis ser um dia, jardineira
de um coração.
Sachei, mondei - nada colhi.
Nasceram espinhos
e nos espinhos me feri.

Quis ser um dia, jardineira
de um coração.
Cavei, plantei.
Na terra ingrata nada criei.

Semeador da Parábola...
Lancei a boa semente
a gestos largos...
Aves do céu levaram.
Espinhos do chão cobriram.
O resto se perdeu
na terra dura
da ingratidão.

Coração é terra que ninguém vê
- diz o ditado.
Plantei, reguei, nada deu, não.
Terra de lagedo, de pedregulho,
- teu coração.

Bati na porta de um coração.
Bati. Bati. Nada escutei.
Casa vazia.
Porta fechada, foi que encontrei...

abril 26, 2006




Amor é síntese
Mário Quintana

Por favor não me analise
Não fique procurando cada ponto fraco meu
Se ninguém resiste a uma análise profunda
Quanto mais eu
Ciumento, exigente, inseguro, carente
Todo cheio de marcas que a vida deixou
Vejo em cada grito de exigência
Um pedido de carência, um pedido de amor
Amor é síntese
É uma integração de dados
Não há que tirar nem pôr
Não me corte em fatias
Ninguém consegue abraçar um pedaço
Me envolva todo em seus braços
E eu serei perfeito amor.

abril 25, 2006



Tô caindo fora
Ana Carolina

Eu não quero saber de você
Eu não escrevo mais cartas de amor
As lágrimas são adereços
Adornos de usar,
Porque me mostra o mar
Se eu quero ver o navio?

A lágrima,
Não é só de quem chora
Tô indo embora,
Tô caindo fora.

abril 24, 2006



Andanças
Beatriz Tavares

Se me perguntasses por onde tenho andado
teria que te falar dos corredores negros e úmidos
pelos quais caminho quando a noite cai.
Teria que te falar dos medos que tenho galgado
na busca desesperada daquilo que sou
(e também do que fui...).
Sim, querido, o caminho tem sido árido.
E se me perguntasses o que tenho feito
só te diria que tenho caminhado.
Talvez, quando chegares,
eu já possa te trazer à minha casa
e te mostrar as violetas que florescem
feito um sinal
nesse jardim cuidadosamente regado.
E então, coração, verás
que tuas palavras foram dádivas, e não consolo,
para as tristes histórias que em tuas mãos depositei.
E terás, feito fruto,
a partilha do caminho,
o gozo dos prazeres,
e o lar do meu abraço
desprovido de segredos e de provas de amor.

abril 20, 2006



Ausências
(Encandescente)

Perguntam-me muitas vezes
Se tenho a cabeça na lua
Em que galáxia estou
Em que mundo vivo.
Perguntam-me muitas vezes:
-Não ouviste nada do que se disse?
Alheia a tudo ouço as palavras
Percorrem-me
Prendem-me
Roubam-me ao presente
Levam-me para locais secretos
Desconhecidos
E fazem-me assim parecer
Distante e ausente.
Sorrio quando me perguntam
Onde andas tu?
Respondo simplesmente
Estou dentro de mim.

abril 19, 2006



Neologismo
Manoel Bandeira

Beijo pouco, falo menos ainda
Mas invento palavras
Que traduzem a ternura mais funda
E mais cotidiana.
Inventei, por exemplo, o verbo teadorar.
Intransitivo :
Teadoro, Teadora.

abril 18, 2006



As Flores
Luiz de Aquino

As flores - ah, as flores!
Elas ficam aí, como alguém as pôs
e não interferem no silêncio da imaginação.
De repente as descubro e me envergonho
de as não ter visto antes.
As flores, elas ficam assim
como quem chegou pelos fundos
e fazem tudo pra nos fazer felizes,
apesar de tudo.
As flores, querida,
são o recado que a gente tentou mandar
e não soube dizer.

abril 17, 2006



Chove
Miguel Torga

Chove uma grossa chuva inesperada
que a tarde não pediu mas agradece.
Chove na rua, já de si molhada
duma vida que é chuva e não parece.
Chove, grossa e constante,
uma paz que há-de ser.
Uma gota invisível e distante
na janela, a escorrer.

abril 13, 2006



Seus Beijos
Eudes Batista de Paula

Que saudade de seu beijo molhado
Seus lábios macios,
Do seu beijo com sabor de pecado
Que me provocam arrepios

Que loucuras me levaram a fazer
Para seus beijos ter
Beijos doces, puro mel
Muitas vezes levaram-me ao céu

Ainda guardo na boca o sabor
Delicioso de seus beijos de amor
Que meu coração fazia disparar
Com o desejo de Somente te amar

Que saudades de seus beijos
Dos seus lábios nos meus, quantos desejos
De sua boca na minha, que coisa louca
Beijar sua boca !

abril 12, 2006



Leilão de Jardim
Cecília Meireles

Quem me compra um jardim
com flores?
borboletas de muitas
cores,
lavadeiras e pas-
sarinhos,
ovos verdes e azuis
nos ninhos?
Quem me compra este ca-
racol?
Quem me compra um raio
de sol?
Um lagarto entre o muro
e a hera,
Uma estátua da Pri-
mavera?
Quem me compra este for-
migueiro?
E este sapo, que é jar-
dineiro?
E a cigarra e a sua
canção?
E o grilinho dentro
do chão?
(Este é o meu leilão!)

abril 11, 2006



Os teus pés
Pablo Neruda

Quando não te posso contemplar
Contemplo os teus pés.

Teus pés de osso arqueado,
Teus pequenos pés duros,

Eu sei que te sustentam
E que teu doce peso
Sobre eles se ergue.

Tua cintura e teus seios,
A duplicada purpura
Dos teus mamilos,
A caixa dos teus olhos
Que há pouco levantaram voo,
A larga boca de fruta,
Tua rubra cabeleira,
Pequena torre minha.

Mas se amo os teus pés
É só porque andaram
Sobre a terra e sobre
O vento e sobre a água,
Até me encontrarem.

abril 10, 2006



Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade.

(Sophia de Mello Breyner Andresen)

abril 07, 2006



Dever de Sonhar
(Fernando Pessoa)

Eu tenho uma espécie de dever,
dever de sonhar, de sonhar sempre,
pois sendo mais do que
um espetáculo de mim mesmo,
eu tenho que ter
o melhor espetáculo que posso.
E assim me construo a ouro e sedas,
em salas supostas, invento palco,
cenário para viver o meu sonho
entre luzes brandas e músicas invisíveis.

abril 06, 2006



Quadras
(Fernando Pessoa)

Teu vestido porque é teu,
Não é de cetim nem chita.
É de sermos tu e eu
E de tu seres bonita.

abril 05, 2006



O amor antigo
(Drummond)

O amor antigo vive de si mesmo,
não de cultivo alheio ou de presença.
Nada exige nem pede. Nada espera,
mas do destino vão nega a sentença.
O amor antigo tem raízes fundas,
feitas de sofrimento e de beleza.
Por aquelas mergulha no infinito,
e por estas suplanta a natureza.
Se em toda parte o tempo desmorona
aquilo que foi grande e deslumbrante,
o antigo amor, porém, nunca fenece
e a cada dia surge mais amante.
Mais ardente, mais pobre de esperança.
Mais triste? Não. Ele venceu a dor,
e resplandece no seu canto obscuro,
tanto mais velho quanto mais amor.

abril 04, 2006



Soneto do teu corpo
(Moska)

Eu juro

Juro beijar teu corpo sem descanso
Como quem sai sem rumo pra viagem
Vou te cruzar sem mapa, nem bagagem
Quero inventar a estrada enquanto avanço

Beijo teus pés
Me perco entre teus dedos
Luzes ao norte
Pernas são estradas
Onde meus lábios correm a madrugada
Pra de manhã chegar aos teus segredos
Vivo em teus bosques
Bebo em teus rios
Entre teus montes
Vales escondidos
Eu faço fogueira, choro , canto e danço

Línguas de Lua
Varrem tua nuca
Línguas de Sol
Percorrem tuas ruas

Eu juro beijar teu corpo
Sem descanso

abril 03, 2006



Vem
(Encandescente)

Vem de mãos vazias
Não me tragas nas mãos flores
Que as tuas mãos não tenham
De flores odores
E cheiros que não os meus.
Vem de olhos limpos
De outros que os habitaram
Que os teus olhos sejam só dos meus morada
Que neles só eu me veja
Que neles só esteja eu.
Vem sem lembranças e sem passado
Dar-me-ei tão completamente
Que em ti só eu serei presente
E em todos os corpos que te amarem
Verás e sonharás o meu.