dezembro 31, 2006



Eu amo tudo o que foi
Fernando Pessoa

EU AMO TUDO o que foi,
Tudo o que já não é,
A dor que já me não dói,
A antiga e errônea fé,
O ontem que dor deixou,
O que deixou alegria
Só porque foi, e voou
E hoje é já outro dia.

Feliz 2007 !!! Repleto de Paz, Amor e muitas Alegrias !!!

dezembro 30, 2006



Força
Flora Figueiredo

Desmancha o nó,
tira a ferrugem,
espana o pó.
Empurra o pesado,
cola o quebrado,
abre o dobrado,
cerze o rompido,
coça a coceira,
gruda o trincado,
pensa o ardido
e faz brincadeira do verso
chorado;
que a vida é rendeira
de sedas ou trapos,
de rendas, farrapos
ou fios de algodão;
que a fibra é comprida e o mundo
artesão.

dezembro 29, 2006




"Durante muitos anos
esperamos encontrar alguém
que nos compreenda,
alguém que nos aceite como somos,
capaz de nos oferecer felicidade
apesar das duras provas
Apenas ontem descobri
que esse mágico alguém
é o rosto que vemos no espelho".

Richard Bach

dezembro 28, 2006




"...Não há em mim inquietudes ou
desassossegos restantes. Fez-se
silêncio em minha alma para que
o bater de asas do meu sonho
pudesse retumbar para além
de mim. Fecha teus olhos e me busca
Ouves teu peito? Sou eu..."

(Patricia Antoniete)

dezembro 26, 2006



Ode Descontínua e Remota para Flauta e Oboé
De Ariana para Dionísio

Hilda Hilst

II

Porque tu sabes que é de poesia
Minha vida secreta. Tu sabes, Dionísio,
Que a teu lado te amando,
Antes de ser mulher sou inteira poeta.
E que o teu corpo existe porque o meu
Sempre existiu cantando.
Meu corpo, Dionísio,
É que move o grande corpo teu

Ainda que tu me vejas extrema e suplicante
Quando amanhece e me dizes adeus.

dezembro 24, 2006



Feliz Natal
Frei Betto

Neste Natal, Deus venha amado, desarmado, disposto a conter
as iras do velho Javé e, surrupiado de fadigas, derrame
diluvianamente sua misericórdia sobre todos nós, praticantes de
pecados inconclusos. Venha patinando pela Via Láctea, um
sorriso cósmico estampado no rosto, despido como o Menino
na manjedoura, mãos livres de cajado e barba feita, a pedir colo
a Maria e afago a José.

Minha árvore não será enfeitada com castigos e condenações
eternas. Nela brilharão as chamas ardentes da noite escura
a ensolarar os recônditos do coração. Venha Deus a cavalo, a pé
ou andando sobre os mares, mas venha prevenido, arisco e
trôpego e, sobretudo, desconfiado, à imagem e semelhança
de minha indigência

Neste Natal, acolherei Deus no meu quintal, lá onde cultivo
hortaliças e legumes, e darei a ele mudas de ora-pro-nóbis,
coisa boa de se comer no ensopado de frango. Mostrar-lhe-ei
minha coleção de vitupérios e, se quiser, cederei a minha rede
para que possa descansar das desditas do mundo.

Se Maria vier junto, vou presenteá-la com rendas e bordados
trazidos do sertão nordestino, porque isso de aparecer senhora
de muitas devoções exige muda freqüente de trajes e mantos,
e muita beleza no trato.

Que venha Deus, mas venha amado, pois ando muito carente
de dengos divinos. Cantarei a ele os cantos de Sião e
também um samba-canção. Tocarei pandeiro e bandolim,
porque sei das artes divinas: quem pontilha de
dourado reluzente o chão escuro do céu, e provoca o cintilar
de tantas luzes, faz mais que uma obra, promove um espetáculo.
Resta-nos ter olhos para apreciar.

Desejo um Feliz Natal às bordadeiras de sonhos, aos homens
que prenham a terra com sementes de vida, às crianças de
todas as idades desditosas de maldades, e a todos que
decifram nos sons da madrugada o augúrio de promissoras
auroras.

Feliz Natal aos caçadores de borboletas azuis, artífices de
rupestres enigmas, febris conquistadores a cavalgar, solenes,
nos campos férteis de sedutoras esperanças.

Feliz Natal às mulheres dotadas da arte de esculpir a própria
beleza e, cheias de encanto, sabem-se guardar no silêncio e
caminhar com os pés revestidos de delicadeza. E aos homens
tatuados pela voracidade inconsútil, a subjetividade densa a
derramar-lhes pela boca, o gesto aplicado e gentil, o olhar altivo
iluminado de modéstia.

Feliz Natal a quem voa sem asas, molda em argila insensatez e
faz dela jarro repleto de sabedoria, e aos que jamais vomitam
impropérios porque sabem que as palavras brotam da mesma
fonte que abastece o coração de ternura.

Feliz Natal aos que se expõem aos relâmpagos da voracidade
intelectual e aos confeiteiros de montanhas, aos emperdigados
senhores da incondescendência e aos que tecem em letras
suas distantes nostalgias.

Feliz Natal a todos,
que o Menino Deus transborde em seus corações !!!

dezembro 21, 2006




Jardim Interior
Mário Quintana

Todos os jardins deviam ser fechados,
com altos muros de um cinza muito pálido,
onde uma fonte
pudesse cantar
sozinha
entre o vermelho dos cravos.
O que mata um jardim não é mesmo
alguma ausência
nem o abandono...
O que mata um jardim é esse olhar vazio
de quem por eles passa indiferente.

dezembro 20, 2006




Ausência
Carlos Drummond de Andrade

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

dezembro 19, 2006


Isto
Fernando Pessoa

Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.

Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.

Por isso escrevo em meio
Do que não está de pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!

dezembro 18, 2006


Paciência
Lenine

Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede um pouco mais de alma
A vida não para

Enquanto o tempo acelera e pede pressa
Eu me recuso faço hora vou na valsa
A vida é tão rara

Enquanto todo mundo espera a cura do mal
E a loucura finge que isso tudo é normal
Eu finjo ter paciência

O mundo vai girando cada vez mais veloz
A gente espera do mundo e o mundo espera de nós
Um pouco mais de paciência

Será que é o tempo que lhe falta pra perceber
Será que temos esse tempo pra perder
E quem quer saber
A vida é tão rara (Tão rara)

dezembro 14, 2006




Ode Descontínua e Remota para Flauta e Oboé
de Ariana para Dionísio

Hilda Hilst

I
É bom que seja assim, Dionisio, que não venhas.
Voz e vento apenas
Das coisas do lá fora

E sozinha supor
Que se estivesses dentro

Essa voz importante e esse vento
Das ramagens de fora

Eu jamais ouviria. Atento
Meu ouvido escutaria
O sumo do teu canto. Que não venhas, Dionísio.
Porque é melhor sonhar tua rudeza
E sorver reconquista a cada noite
Pensando: amanhã sim, virá.
E o tempo de amanhã será riqueza:
A cada noite, eu Ariana, preparando
Aroma e corpo. E o verso a cada noite
Se fazendo de tua sábia ausência.

....poesia dedicada à um grande amigo, Renato.

dezembro 10, 2006



Cássia Eller
10/12/1962 - 29/12/2001

Quem sabe eu ainda sou uma garotinha
Quem sabe a vida é não sonhar
Eu só peço a Deus um pouco de malandragem
Eu sou poeta e não aprendi a amar...


As coisas tão mais lindas
Nando Reis

Entre as coisas mais lindas que eu conheci
Só reconheci suas cores belas quando eu te vi
Entre as coisas bem-vindas que já recebi
Eu reconheci minhas cores nela, então eu me vi

Está em cima com o céu e o luar
Hora dos dias, semanas, meses, anos, décadas
E séculos, milênios que vão passar
Água-marinha põe estrelas no mar
Praias, baías, braços, cabos, mares, golfos
E penínsulas e oceanos que não vão secar

E as coisas lindas são mais lindas
Quando você está
Hoje você está
Onde você está
As coisas são mais lindas
Por que você está
Onde você está
Hoje você está
Nas coisas tão mais lindas

dezembro 09, 2006



Hoje é aniversário do Simplesmente Marie
está fazendo 1 aninho de vida
obrigada à todos os amigos que por aqui passaram
e deixaram o seu carinho
beijinhos no coração de cada um de vocês !

Acaso
Antoine de Saint- Exupéry

"Cada um que passa em nossa vida,
passa sozinho, pois cada pessoa é única
e nenhuma substitui outra.
Cada um que passa em nossa vida,
passa sozinho, mas não vai só
nem nos deixa sós.
Leva um pouco de nós mesmos,
deixa um pouco de si mesmo.
Há os que levam muito,
mas há os que não levam nada.
Essa é a maior responsabilidade de nossa vida,
e a prova de que duas almas
não se encontram ao acaso. "

dezembro 08, 2006




Florbela Espanca

"As almas das poetisas são todas feitas de luz,
como as dos astros: não ofuscam, iluminam"...

8/12/1894, Florbela nasceu
8/12/1913, se casou
8/12/1930, morreu.


Eu
Florbela Espanca

Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida...

Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!

dezembro 07, 2006




Círculos sobre círculos
Leslie Holanda

Rodopio em minhas ilusões
Ando as voltas em possibilidades
Não descarto as brechas, as indagações
As possíveis impossibilidades
Ou sonhos de razões
Giro cantando, dançando em meu viver
Circulo entre os girassóis
Ora a sós, ora sob teus lençóis
Contorno os riscos
Rabisco carrosséis
Imprimo espirais
Reais,efêmeros...vitais

dezembro 06, 2006




Um caso de amor
Flora Figueiredo

A menina viu a lua cheia
derramar-se em prata sobre a areia.
Encantada, esticou-se toda
e desatarraxou a bola
do fundo azul-marinho.
Saiu de mansinho
e guardou a lua em casa
sob uma redoma de cristal.
Sabia que o gato rondaria no quintal, louco de desejo
eterno caçador de ratos e de queijos,
só que a lua, hábil e esperta,
derrubou o cristal
e escorregou pela janela aberta.
Naquela noite, então,
a terra revirou-se de paixão
e o mundo amou como nunca amara antes
estava de volta a lua,
cúmplice dos beijos e segredos dos amantes.

dezembro 05, 2006




Chuva
Ribeiro Couto

A chuva fina molha a paisagem lá fora.
O dia está cinzento e longo... Um longo dia!
Tem-se a vaga impressão de que o dia demora...
E a chuva fina continua, fina e fria,
Continua a cair pela tarde, lá fora.

Da saleta fechada em que estamos os dois,
Vê-se, pela vidraça, a paisagem cinzenta:
A chuva fina continua, fina e lenta...
E nós dois em silêncio, um silêncio que aumenta
se um de nós vai falar e recua depois.

Dentro de nós existe uma tarde mais fria...

Ah! Para que falar? Como é suave, branda,
O tormento de adivinhar ? quem o faria? ?
As palavras que estão dentro de nós chorando...

Somos como os rosais que, sob a chuva fria,
Estão lá fora no jardim se desfolhando.

Chove dentro de nós... Chove melancolia...

dezembro 04, 2006




Aqui
Sophia de Mello Breyner Andrensen

Aqui, deposta enfim a minha imagem,
Tudo o que é jogo e tudo o que é passagem.
No interior das coisas canto nua.

Aqui livre sou eu ? eco da lua
E dos jardins, os gestos recebidos
E o tumulto dos gestos pressentidos

Aqui sou eu em tudo quanto amei.
Não pelo meu ser que só atravessei,
Não pelo meu rumor que só perdi,
Não pelos incertos atos que vivi,

Mas por tudo de quanto ressoei
E em cujo amor de amor me eternizei.

dezembro 01, 2006




Como te amo?
Elizabeth Barrett Browning

Como te amo? Deixa-me contar de quantas maneiras.
Amo-te até ao mais fundo, ao mais amplo
e ao mais alto que a minha alma pode alcançar
buscando, para além do visível dos limites
do Ser e da Graça ideal.
Amo-te até às mais ínfimas necessidades de todos
os dias à luz do sol e à luz das velas.
Amo-te com liberdade, enquanto os homens lutam
pela Justiça;
Amo-te com pureza, enquanto se afastam da lisonja.
Amo-te com a paixão das minhas velhas mágoas
e com a fé da minha infância.
Amo-te com um amor que me parecia perdido - quando
perdi os meus santos - amo-te com o fôlego, os
sorrisos, as lágrimas de toda a minha vida!
E, se Deus quiser, amar-te-ei melhor depois da morte.