janeiro 31, 2007



Beira-Mar
Cecília Meireles

Sou moradora das areias
de altas espumas: os navios
passam pelas minhas janelas
como o sangue nas minhas veias
como os peixinhos nos rios...

Não têm velas e têm velas;
e o mar tem e não tem sereias;
e eu navego e estou parada
vejo mundos e estou cega,
porque isto é mal de família,
ser de areia, de água, de ilha...
E até sem barco navega
quem para o mar foi fadada.

Deus te proteja, Cecília,
que tudo é mar - e mais nada.

janeiro 30, 2007



Despedida
Flora Figueiredo

Se tiver que ir, vai
O que fica para trás,
não sendo mentira,
não racha,
nem rompe,
não cai.
Ninguém tira.

Já que vai,
segue se depurando pelo trajeto,
para desembarcar passado a limpo,
sem máscara,
sem nada,
sem nenhum desafeto.

Quando chegar,
sobe ao ponto mais alto do lugar,
onde a encosta do mundo
faz a curva mais pendente.
E então acena.

De onde eu estiver, quero enxergar
esse momento em que você vai constatar
que a vida vale grandemente a pena.

janeiro 29, 2007



Fresta
Fernando Pessoa

Em meus momentos escuros
Em que em mim não há ninguém,
E tudo é névoas e muros
Quanto a vida dá ou tem,
Se, um instante, erguendo a fronte
De onde em mim sou aterrado,
Vejo o longínquo horizonte
Cheio de sol posto ou nado

Revivo, existo, conheço,
E, ainda que seja ilusão
O exterior em que me esqueço,
Nada mais quero nem peço.
Entrego-lhe o coração.

janeiro 28, 2007



Declaração de Amor
Carlos Drummond de Andrade

Minha flor minha flor minha flor. Minha prímula meu
pelargônio meu gladíolo meu botão-de-ouro. Minha
peônia. Minha cinerária minha calêndula minha boca-
de-leão. Minha gérbera. Minha clívia. Meu cimbídio.
Flor flor flor. Floramarílis. Floranêmona. Florazálea.
Clematite minha. Catléia delfínio estrelítzia. Minha
hortensegerânea. Ah, meu nenúfar. Rododendro e
crisântemo e junquilho meus. Meu ciclâmen.
Macieira-minha-do-japão. Calceolária minha.
Daliabegônia minha. Forsitiaíris tuliparrosa minhas.
Violeta... Amor-mais-que-perfeito. Minha urze.
Meu cravo- pessoal-de-defunto. Minha corola sem
cor e nome no chão de minha morte.

janeiro 27, 2007



Fogo Posto
Maria Teresa Horta

Tu serás o princípio
e o meu fim
Pegando mal de amor
em chama alta
Vulcão em desacerto
e fogo posto
Tão grande que ele é
e já me mata

janeiro 26, 2007



Sonho Vago
Florbela Espanca

Um sonho alado que nasceu num instante,
Erguido ao alto em horas de demência
Gotas de água que tombam em cadência
Na minha alma tristíssima, distante

Onde está ele, o Desejado? O Infante?
O que há-de vir e amar-me em doida ardência?
O das horas de mágoa e penitência?
O Príncipe Encantado? O Eleito? O Amante?

E neste sonho eu já nem sei quem sou
O brando marulhar dum longo beijo
Que não chegou a dar-se e que passou

Um fogo-fátuo rútilo, talvez
E eu ando a procurar-te e já te vejo!
E tu já me encontraste e não me vês!

janeiro 25, 2007




453 anos !!! Parabéns Sampa !!! eu amo vc !!!

São Paulo, São Paulo
(Premeditando o Bréque)

"É sempre lindo andar na cidade de São Paulo
O clima engana, a vida é grana em São Paulo
A japonesa loura, a nordestina moura de São Paulo
Gatinhas punks, um jeito yankee de São Paulo

Na grande cidade me realizar
Morando num BNH.
Na periferia a fábrica escurece o dia."

janeiro 24, 2007



E por que haverias de querer...
Hilda Hilst

E por que haverias de querer minha alma
Na tua cama?
Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas
Obscenas, porque era assim que gostávamos.
Mas não menti gozo prazer lascívia
Nem omiti que a alma está além, buscando
Aquele Outro. E te repito: por que haverias
De querer minha alma na tua cama?
Jubila-te da memória de coitos e de acertos.
Ou tenta-me de novo. Obriga-me.

janeiro 23, 2007



Ninho
Encandescente

Sei sempre quando chegas
Sinto a tua presença no ar
Preparo-me
Chegas e enlaço-te
Prendo-te numa teia
Envolvo-te em fios de prazer
Construo um ninho
Onde te escondo
Te desperto
E me alimento

janeiro 21, 2007



Gosto quando te calas
Pablo Neruda

Gosto quando te calas porque estás como ausente,
e me ouves de longe, minha voz não te toca.
Parece que os olhos tivessem de ti voado
e parece que um beijo te fechara a boca.
Como todas as coisas estão cheias da minha alma
emerge das coisas, cheia da minha alma.
Borboleta de sonho, pareces com minha alma,
e te pareces com a palavra melancolia.
Gosto de ti quando calas e estás como distante.
E estás como que te queixando, borboleta em arrulho.
E me ouves de longe, e a minha voz não te alcança:
Deixa-me que me cale com o silêncio teu.
Deixa-me que te fale também com o teu silêncio
claro como uma lâmpada, simples como um anel.
És como a noite, calada e constelada.
Teu silêncio é de estrela, tão longinqüo e singelo.
Gosto de ti quando calas porque estás como ausente.
Distante e dolorosa como se tivesses morrido.
Uma palavra então, um sorriso bastam.
E eu estou alegre, alegre de que não seja verdade.

janeiro 20, 2007



Meu Anjo Negro
Aline Tainá Monsores Niederauer

Deito no chão do quarto, observo a lua...
sinto perto de mim anjos da escuridão.
Meus olhos negros brilham ao sentir a
energia que passa por todo esse lugar...
Lágrimas escorrem sobre minha face pálida...
suas mãos passam delicadamente entre
meus longos cabelos negros, enquanto
meus dedos deslizam sobre seu corpo.
Você crava um belo athame em meu peito,
diz que somos tão perfeitos que nosso amor
tem que durar além dessa vida.
Além das trevas, além do luar...
algum dia, em algum lugar...
poderemos de novo nos amar.
E até lá, o que resta é deitar
no chão do quarto, mais uma vez...
e chorar!

Este post é dedicado ao meu doce vampiro DJ
postado à meia noite, do jeito que os vampiros gostam !

janeiro 17, 2007



Senhas
Adriana Calcanhotto

...O que eu não gosto é do bom gosto
Eu não gosto do bom senso
Eu não gosto de bons modos
Não gosto

Eu gosto dos que têm fome
Dos que morrem de vontade
Dos que secam de desejo
Dos que ardem.

janeiro 15, 2007



Deita-te comigo
Eugenio de Andrade

Entre os teus lábios
é que a loucura acode,
desce à garganta,
invade a água.

No teu peito
é que o pólen do fogo
se junta à nascente,
alastra na sombra.

Nos teus flancos
é que a fonte começa
a ser rio de abelhas,
rumor de tigre.

Da cintura aos joelhos
é que a areia queima,
o sol é secreto,
cego o silêncio.

Deita-te comigo.
Ilumina meus vidros.
Entre lábios e lábios
toda a música é minha.

janeiro 13, 2007



Tortura
Florbela Espanca

Tirar dentro do peito a Emoção,
A lúcida Verdade, o Sentimento!
E ser, depois de vir do coração,
Um punhado de cinza esparso ao vento!...

Sonhar um verso de alto pensamento,
E puro como um ritmo de oração!
E ser, depois de vir do coração,
O pó, o nada, o sonho dum momento...

São assim ocos, rudes, os meus versos:
Rimas perdidas, vendavais dispersos,
Com que eu iludo os outros, com que minto!

Quem me dera encontrar o verso puro,
O verso altivo e forte, estranho e duro,
Que dissesse, a chorar, isto que sinto!!

janeiro 12, 2007




Vai
Simone Saback

Espera aí,
Nem vem com essa estória
Eu nem quero ouvir
Não dá pra te esquecer agora
Como assim?
Você disse que me amava tanto ontem
Eu juro que ouvi
Calma aí!
Que diabo você tá dizendo agora?
Que onda é essa de outro lance pra viver?
Você nem pode tá falando sério
Vivi pra você
Morri pra você
Pois então vai
A porta esteve aberta o tempo todo, sai
O que está esperando? Você sabe voar
Então tá bom
É, senta e conta logo tudo devagar
Não minta, não me faça suportar
Você caindo nesse abismo enorme
Tão fora de mim
Tá legal
É, e eu faço o quê com a nossa vida genial?
Cê vai viver pra outra vida
E eu fico aqui
Na vida que ficou em minha vida
Tão perto de mim
Tão longe de mim
Pois então vai, a porta esteve aberta o tempo todo
Sai! Quem tá lhe segurando? Você sabe voar
Mas se quiser, vai
A porta na verdade nem existe, sai
O que está esperando? Você sabe voar de volta pra mim
De volta pra mim...

janeiro 11, 2007




A Rua dos Cataventos
Mario Quintana

I

Escrevo diante da janela aberta.
Minha caneta é cor das venezianas:
Verde!... E que leves, lindas filigranas
Desenha o sol na página deserta!

Não sei que paisagista doidivanas
Mistura os tons... acerta... desacerta...
Sempre em busca de nova descoberta,
Vai colorindo as horas quotidianas...

Jogos da luz dançando na folhagem!
Do que eu ia escrever até me esqueço...
Pra que pensar? Também sou da paisagem...

Vago, solúvel no ar, fico sonhando...
E me transmuto... iriso-me... estremeço...
Nos leves dedos que me vão pintando!

janeiro 10, 2007




Mar Sonoro
Sophia de Mello Breyner Andresen

Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim.
A tua beleza aumenta quando estamos sós
E tão fundo intimamente a tua voz
Segue o mais secreto bailar do meu sonho.
Que momentos há em que eu suponho
Seres um milagre criado só para mim.

janeiro 08, 2007



A Seta em que caí

Queima os dedos
arde em meus lábios
e aquece-me o peito
a cada golfada de ar
fez-me parar para ficar
a pensar em nada
para delirar
esta seta em que caí
era para ti
o metal frio espeta na carne
a adrenalina impera
o corpo ainda a desfalecer
os lábios ainda a tremer
prendem um grito mudo
num delírio puro sinto tudo
tornei-me cobaia no estudo
deste doce veneno
grandes vagas inundam
agora a calma da minha praia
meus olhos fitam o ar e tremem
pensei saber o que era amar
mas sentir é o maior evento
uma sombra do meu pensamento
e mais do que poderia imaginar

Cupid@zul

janeiro 06, 2007




Não te quero senão porque te quero,
e de querer-te a não te querer chego,
e de esperar-te quando não te espero,
passa o meu coração do frio ao fogo.
Quero-te só porque a ti te quero,
Odeio-te sem fim e odiando te rogo,
e a medida do meu amor viajante,
é não te ver e amar-te,
como um cego.
Talvez consumirá a luz de Janeiro,
seu raio cruel meu coração inteiro,
roubando-me a chave do sossego,
nesta história só eu me morro,
e morrerei de amor porque te quero,
porque te quero amor,
a sangue e fogo.

Pablo Neruda

janeiro 04, 2007



Poemeto Erótico
Manuel Bandeira

Teu corpo claro e perfeito,
Teu corpo de maravilha,
Quero possuí-lo no leito
Estreito da redondilha...
Teu corpo é tudo o que cheira...
Rosa...flor de laranjeira...
Teu corpo, branco e macio,
É como um véu de noivado...
Teu corpo é pomo doirado...
Rosal queimado do estio,
Desfalecido em perfume...
Teu corpo é a brasa do lume...
Teu corpo é chama e flameja
Como à tarde os horizontes
É puro como nas fontes
A água clara que serpeja,
Que em cantigas se derrama...
Volúpia de água e da chama...
A todo momento o vejo...
Teu corpo... a única ilha
No oceano do meu desejo...
Teu corpo é tudo o que brilha,
Teu corpo é tudo o que cheira...
Rosa, flor de laranjeira...

janeiro 02, 2007



Coisas Simples
Encandescente

Da¡-me a lua, tira-a do céu
E pousa-a na minha mão.
Dá-me um dia de sol
Quente e brilhante
Oferece-mo quando eu acordar.


Dá-me um rio
Tira-o do leito, muda-lhe o curso
Fá-lo correr à minha porta
E dá-me um rio.

Não te peço que me ames.
Só te peço coisas simples
Um acordar cheio de sol
Um rio à minha porta
E a lua nas minhas mãos.