abril 26, 2007



Página Final
Flora Figueiredo

Mais uma vez o tempo me assusta.
Passa afobado pelo meu dia,
Atropela minha hora,
Despreza minha agenda.
Corre prepotente
A disputar lugar com a ventania.
O tempo envelhece, não se emenda.
Deveria haver algum decreto
Que obrigasse o tempo a desacelerar
E a respeitar meu projeto.
Só assim, eu daria conta
Dos livros que vão se empilhando,
Das melodias que estão me aguardando,
Das saudades que venho sentindo,
Das verdades que ando mentindo,
Das promessas que venho esquecendo,
Dos impulsos que sigo contendo,
Dos prazeres que chegam partindo,
Dos receios que partem voltando.
Agora, que redijo a página final,
Percebo o tanto de caminho percorrido
Ao impulso da hora que vai me acelerando.
Apesar do tempo, e sua pressa desleal,
Agradeço a Deus por ter vivido,
Amanhecer e continuar teimando...

abril 25, 2007



Canção do dia de sempre
Mario Quintana

Tão bom viver dia a dia...
A vida assim jamais cansa...

Viver tão só de momentos
Como essas nuvens do céu...

E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência...esperança...

E a rosa louca dos ventos
presa à copa do chapéu.

Nunca dês um nome a um rio:
sempre é outro rio a passar.

Nada jamais continua,
tudo vai recomeçar!

E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas...

abril 19, 2007



Passei toda a noite
Alberto Caeiro

Passei toda a noite, sem dormir, vendo, sem espaço, a figura dela,
E vendo-a sempre de maneiras diferentes do que a encontro a ela.
Faço pensamentos com a recordação do que ela é quando me fala,
E em cada pensamento ela varia de acordo com a sua semelhança.
Amar é pensar.
E eu quase que me esqueço de sentir só de pensar nela.
Não sei bem o que quero, mesmo dela, e eu não penso senão nela.
Tenho uma grande distração animada.
Quando desejo encontrá-la
Quase que prefiro não a encontrar,
Para não ter que a deixar depois.
Não sei bem o que quero, nem quero saber o que quero.
Quero só Pensar nela.
Não peço nada a ninguém, nem a ela, senão pensar.

abril 18, 2007



Mas há a vida
Clarice Lispector

Mas há a vida
que é para ser
intensamente vivida,
há o amor.
Que tem que ser vivido
até a última gota.
Sem nenhum medo.
Não mata.


Sem ti
Maria Teresa Horta

Não quero viver
sem ti
mais nenhum tempo
Nem sequer um segundo
do teu sono
Encostar-me toda a ti eu não invento
Tu és a minha vida o tempo todo.

abril 16, 2007



Ata-me
Encandescente
http://eroticidades.blogspot.com

Prende-me nas tuas pernas.
Não deixes que nada desate o nó,
Que cruzando-se formarem,
As tuas pernas e as minhas.
Mesmo que eu diga não,
Mesmo que eu te maldiga,
Mesmo que eu te maltrate,
Como se contra vontade
Me tivesses dominado.
Não deixes que se desate
O nó em que me prendeste…
Mesmo que agarrando os teus cabelos
Eu os prenda nos meus dedos
E os puxe e te puxe,
E te morda beijos e boca,
E renegue o teu abraço
Maldizendo os teus braços.
Não deixes que se desate
O nó em que me prendeste…
Revoltar-me-ei no teu corpo
Procurando o meu solto,
Cravarei unhas e mãos
Nos teus braços,
Nas tuas costas,
Mexer-me-ei nas tuas pernas
No esforço de libertar…
Não,
Os braços com que me atas.
Não,
As pernas com que me prendes.
Mas o aperto que sinto no peito,
Mas a urgência que me prende a voz,
E este fogo que me arde no ventre
E se solta
Desatando nós.

abril 10, 2007



As Rosas
Sophia de Mello Breyner

Quando à noite desfolho e trinco as rosas
É como se prendesse entre os meus dentes
Todo o luar das noites transparentes,
Todo o fulgor das tardes luminosas,
O vento bailador das Primaveras,
A doçura amarga dos poentes,
E a exaltação de todas as esperas.

abril 04, 2007



Cala-te
Eugénio de Andrade

Cala-te, a luz arde entre os lábios,
e o amor não contempla, sempre
o amor procura, tacteia no escuro,
essa perna é tua?, esse braço?,
subo por ti de ramo em ramo,
respiro rente à tua boca,
abre-se a alma à língua, morreria
agora se mo pedisses, dorme,
nunca o amor foi fácil, nunca,
também a terra morre.

abril 03, 2007



Presente
Encandescente

Ofereço-te o meu corpo
Local seco e árido
Antes de ti,
Para que nele deslizes como um rio
E o faças florescer
Para que o colonizes
Com os teus gestos
Com os teus beijos
O habites
E o faças assim renascer.
Ofereço-te o meu corpo
Para que lhe dês vida
Depois devolve-mo
Preciso dele
Para te amar a ti.